A construção da ilustre carreira de Iberê Camargo
Iberê Camargo
Em 18 de novembro de 1914, nascia em Restinga Seca, cidade do interior do Rio Grande do Sul, Iberê Bassani de Camargo, que viria a se tornar um dos artistas mais renomados do Brasil, conhecido simplesmente como Iberê Camargo.
Como muitos artistas célebres, Iberê teve um contato precoce com a arte e, aos 14 anos, iniciou sua formação artística na Escola de Artes e Ofícios de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde teve aulas de pintura com o alemão Frederico Lobe e o italiano Salvador Parlagreco.
Aos 18 anos, começou a trabalhar como aprendiz no Batalhão Ferroviário, onde subiu para o posto de desenhista técnico, aprendendo geometria e perspectiva. Em 1936, decidiu retomar os estudos, mudando-se para Porto Alegre, onde ingressou no curso técnico de arquitetura do Instituto de Belas Artes, sob a orientação do professor Fahrion.
A partir de 1940, se dedicou com ainda mais constância às artes, começando a pintar com maior liberdade e espontaneidade. Nessa fase, passou a retratar cenas do cotidiano, como personagens das ruas e paisagens, com gestos fortes e pinceladas marcadas. Em obras como "Dentro do Mato" (1942), ele traçava a natureza com uma espessa camada de tinta, técnica que, na época, não se encaixava no ambiente artístico acadêmico do Rio Grande do Sul.
“Dentro do mato” - Iberê Camargo
Mas quando ganhou uma bolsa de estudos do governo do estado para estudar no Rio de Janeiro, conseguiu também uma oportunidade para expandir suas possibilidades.
Por lá, seu círculo de contatos se ampliou consideravelmente ao conhecer artistas como Candido Portinari, Djanira e Milton Dacosta. Simplesmente teve uma orientação de Portinari, e passou a frequentar as aulas de desenho de Alberto da Veiga Guignard e, em 1943, fundou o Grupo Guignard, ao lado de outros artistas.
Em sua nova fase carioca, Iberê continuou a pintar paisagens urbanas, retratando cenas das ruas da cidade, como em Lapa (1947), obra que lhe rendeu o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Belas Artes daquele ano. No ano seguinte, ele partiu para a Europa, onde teve aulas de pintura com o renomado italiano Giorgio de Chirico, em Roma, e com o francês André Lhote, em Paris.
Iberê retorna para o Brasil e, em 1953, foi contratado como professor no Instituto Municipal de Belas Artes do Rio de Janeiro, atual Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV/Parque Lage), onde criou a cadeira de gravura e iniciou uma importante trajetória nesse campo. Entre seus alunos, destacam-se artistas como Regina Silveira, Eduardo Sued e Carlos Vergara. Em 1954, participou da organização do Salão Preto e Branco, ao lado de Djanira e Milton Dacosta, e, no ano seguinte, foi um dos organizadores do Salão Miniatura, ambos em protesto contra as altas taxas de importação de materiais artísticos.
As fases da arte de Iberê Camargo
A produção artística de Iberê Camargo, que abrange pintura, gravura e desenho, é essencialmente moderna. A característica central que confere riqueza e profundidade à sua obra é a extraordinária capacidade do artista de se inserir em diferentes tempos e contextos, mantendo sempre uma linguagem inovadora e universal.
Nos primeiros anos de sua carreira, Iberê apresentou o estilo figurativo, com gravuras de paisagens naturais e cenas do cotidiano, com figuras humanas e uma paleta de cores escuras, como cinza, marrom e preto.
Iberê Camargo - “Manequins” - Serigrafia
Aos poucos, um pequeno objeto de sua infância, o carretel, passa a dominar suas telas: inicialmente, aparecendo em séries de naturezas-mortas, dispostas sobre a mesa e representadas de forma realista. E o carretel se tornou uma imagem recorrente na obra do artista, dando origem à famosa “Série dos Carretéis”.
Iberê Camargo - “Carretéis em equilíbrio”
Até que Iberê começa a se afastar da representação literal e adota uma abordagem mais abstrata. As cores se tornam menos realistas e mais subjetivas, e ele passa a trabalhar com formas e gestos que privilegiam a expressão emocional. Nesse período, surge também uma nova característica em sua pintura: a exploração de contrastes fortes. Ele passa a pintar sobre fundos negros, utilizando cores saturadas e intensas, criando uma atmosfera de tensão e dramaticidade.
Mas as mudanças na sua arte não pararam por aí...
Figuras solitárias, sombrias e disformes, que habitam fundos indefinidos e atmosféricos passam a tomar conta de pinturas e gravuras de Iberê. As séries “Ciclistas” e “As Idiotas” são emblemáticas dessa fase, em que o artista explora a sensação de isolamento e distorção da forma humana.
Iberê Camargo - “Ciclista” - Gravura
Iberê começa a produzir uma série de autorretratos que expressam solidão, angústia e medo.
Essas fases da obra de Iberê, mais sombrias e introspectivas, podem ser vistas como uma expressão de sua vivência pessoal, uma reflexão direta sobre a vida e os dilemas existenciais. No próximo capítulo, exploraremos mais detalhadamente como suas experiências se conectam com sua arte e influenciaram sua trajetória criativa.
A vida e a arte de Iberê Camargo não se distanciam
Em uma noite de dezembro de 1980, no Rio de Janeiro, ocorreu um episódio que abalou profundamente a vida de Iberê Camargo e, consequentemente, sua carreira. Envolvido em uma briga, ele foi acusado de causar a morte de um homem. Ficou preso por um mês, mas foi absolvido por legítima defesa.
Esse evento teve um impacto direto em sua arte: seus quadros passaram a retratar figuras humanas solitárias, com expressões melancólicas e temas mais sombrios.
Essas figuras, muitas vezes desprovidas de traços nítidos, carregam uma forte carga emocional, expressando a crescente introspecção de Iberê.
Iberê Camargo - “Miséria” - Óleo sobre a tela
Embora o episódio tenha refletido negaticamente e causado sofrimento, não comprometeu a relevância de sua carreira.
A obra de Iberê continuou a ser admirada e a ocupar um lugar fundamental na história da arte no Brasil. Mesmo após sua morte, em 1994, seu legado permanece vivo e é reverenciado mundialmente. Inclusive, em sua homenagem foi criada a "Fundação Iberê Camargo", com a missão de eternizar a sua arte, divulgar seu trabalho e conectar novas gerações com sua obra.
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